domingo, 24 de abril de 2011

5 minutos com Marcos Ramos - Tempo e Literatura

A gente é constituído de tempo? O poeta Marcos Ramos capturou o coelho de Alice e acertou os ponteiros do relógio. O nosso comentarista de Literatura cita o escritor argentino Jorge Luis Borges para pensar sobre o tempo. O homem tenta defini-lo não é de hoje, mas e a Literatura, como o interpreta?



Caso o arquivo não abra, ouça por aqui.


Quer pensar mais sobre o Tempo e a Literatura? Leia abaixo o texto de Marcos Ramos.

Sobre o Tempo, lembro, de imediato, um verso do Wilson Batista que diz “Meu mundo é hoje, não existe amanhã pra mim”. Paulinho da Viola, certa vez em uma entrevista, traduziu esse verso por “Meu tempo é hoje, eu não vivo no passado, o passado vive em mim.” Lembro também de uma canção gravada por uma das minhas cantoras preferidas, Nana Caymmi, que se chama “Resposta ao tempo”. É uma letra de Aldir Blanc. Vocês devem lembrar: “Batidas na porta da frente / é o tempo / Eu bebo um pouquinho / Prá ter argumento // Mas fico sem jeito / Calado, ele ri (...)”.

Uma canção belíssima.


Outra canção que trata de uma forma singular a questão do tempo é “Sinal Fechado”, do Paulinho da Viola, uma canção que marcou de uma forma especial a carreira desse compositor. E que diz muito de uma condição contemporânea, de um sujeito que conhecemos bem: “Olá, como vai? / Eu vou indo e você, tudo bem? / Tudo bem eu vou indo correndo/ Pegar meu lugar no futuro, e você? / Tudo bem, eu vou indo em busca / De um sono tranquilo, quem sabe ... / Quanto tempo... pois é... / Quanto tempo... / Me perdoe a pressa / É a alma dos nossos negócios / Oh! Não tem de quê / Eu também só ando a cem (...)”.


O Tempo é um desses temas universais como a morte ou o amor; toda literatura que se teve notícia falou em tempo. Todavia, parece agora curioso descobrir que a literatura, essa manifestação do Espírito que nos movimenta como poucas, sofre a falta de tempo.


Contrário ao senso comum, Clarice Lispector certa vez advertiu que criar é correr o grande risco de se ter a realidade. A afirmação parece controversa; pois, ao falarmos em literatura, não tratamos de ficção? Creio que subestimamos isso que chamamos, sem grande discernimento ou necessidade de definição, ficção. Na literatura, nos deparamos com o suspeito, o desconfortante, o escondido e, ao mesmo tempo, com o que há de mais familiar em nós mesmos.

A experiência literária se configura como um jogo de identificação e estranhamento que exige paciência. Em geral, quando a identificação é hegemônica, a literatura tende ao lugar comum; quando causa muito estranhamento, a literatura promove certo distanciamento. Se a identificação por vezes é harmoniosa e provoca certo fisgo, o encontro com o estranho é doloroso. O desconforto da proposição de novas estruturas de fala, de escrita, de pensamento (imagens, sintaxes, tatos, odores...), garante que ao nos depararmos com uma obra literária de alta qualidade o prazer não seja imediato.

Não o prazer da fácil assimilação a que estamos acostumados – das mídias, da mera comunicação. A literatura, nesse sentido, não é apaziguadora, ou puro deleite, como afirma uma crítica impressionista ou os desavisados, mas é desassossego, trabalho.

Nunca houve tanta literatura disponível e, paradoxalmente, nunca lemos tão pouco (ou lemos tão mal). O prazer, em literatura, exige trabalho e aprendizagem, exige TEMPO, sobretudo.


A literatura não é faz-de-conta; a leitura literária é a possibilidade de expansão da experiência do real – dos sentidos da realidade, do sentir o mundo com profundidade [parar, nesse sentido, retomando Clarice, é correr o risco de se ter a realidade]. Mas é preciso ter tempo para experimentar; é preciso abdicar de uma dispersão ingênua para criar tempo; criar tempo é disciplina (e disciplina, diferente do que aprendemos com os modernos, com os nazistas, industrialistas e com os maus pedagogos, é liberdade).

Creio que tanto Paulinho da Viola, Wilson Batista, Nana Caymmi como a história da literatura estão dizendo que é preciso ter tempo para experimentar o presente. É cada vez mais raro encontrar contemporâneos.


Marcos Ramos é editor da Água da Palavra – Revista de Literatura e Teorias, poeta e pesquisador.

Fale com ele:
e-mail:
marcos@marcosramos.com.br

Um comentário:

  1. Muito boa a dimensão do tempo. Precisamos de mais tempo para viver nosso momentos.
    Amei as letras dos clássicos, principalmente a letra de Resposta ao tempo.

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