O que é liberdade para você? Hum, achou a pergunta difícil? Talvez seja porque cada um viva a sua própria ideia de liberdade. Ou será que ainda vivemos em cárceres? Moisés Nascimento traz no comentário da semana esses questionamentos que são o tema central da peça O Cárcere, que estará em cartaz neste final de semana no Teatro Carlos Gomes, no Centro de Vitória. O trabalho é do ator/diretor Vinícius Piedade, cujo texto é uma parceria entre ele e o já consagrado escritor e dramaturgo capixaba Saulo Ribeiro (mais informações sobre a peça no final do post). O assunto também rende uma reflexão sobre o monólogo e suas transformações ao longo do tempo. Tá esperando o quê? Dá o play e depois leia o comentário completo:
Tem mais 5 minutinhos? Moisés Nascimento fala mais:
Se vemos a dramaturgia abrir-se para o monólogo, aceitando-o como uma das formas de expressão do teatro contemporâneo – principalmente a partir dos anos de 1950 (Vitória, inclusive, já teve um festival nacional só de monólogos), não era bem assim que acontecia épocas remotas, onde reinavam os teatros realista e naturalista. Isso porque, na dinâmica naturalista e realista, é inverossímil pensar numa personagem que, em diálogos consigo mesmo, numa representação do ato de pensar, por exemplo, fale em “voz alta”. “O homem só não fala em voz alta”, é o que dirão aqueles que pensam o teatro de forma sintética, como uma síntese da vida humana.
Monólogo, portanto, etimologicamente, é um discurso pronunciado por uma única pessoa. É o contrário de diálogo, que pressupõe duas vozes.
Por sabermos que o próprio teatro realista/naturalista fracassa na tentativa de não deixar marcas do criador/enunciador nos diálogos que ocorrem na peça – isto é, não há a menor possibilidade do texto vir a ser naturalista de fato, sem o dedo do ator ou do autor – podemos afirmar que também não existe monólogos sem diálogos com o Outro, ainda que este seja fruto da imaginação, do inconsciente. O monólogo, sobretudo no teatro contemporâneo, é uma representação da ficcionalidade do Eu; o Eu que fala dirige-se a um Eu ouvinte.
Pode ser que, no decorrer do espetáculo, apenas o Eu locutor se pronuncie. Todavia o que ouve está lá presente, ainda que invisível. Há sempre a necessidade dele ali presente. Uma coisa interessante de se dizer é que no o teatro contemporâneo, em que a quarta parede parece não ser mais necessária, muito desse diálogo é travado com o próprio espectador – não apenas com o intuito de estabelecê-lo, mas também de convocá-lo à realidade que vigora no palco.
Muito desses diálogos podem ser notados na peça Cárcere, um espetáculo por vezes cômico, mas que gera um riso dolorido, inquietante. É um monólogo de reflexão, em que a personagem, no caso um pianista, expõe seus dilemas, anseios e angústias vividas durante uma semana numa prisão. De dentro “do seguro”, lugar pra onde são enviados os presos jurados de morte por outros presos, o pianista, ao mesmo tempo em que narra fatos de sua vida dentro e fora do presídio, expõe, sem qualquer necessidade de uma lógica narrativa, o caos cognitivo e emocional que ali vive.
Mais do que um monólogo, Cárcere é um grande solilóquio, é um texto/encenação que se diverge da ideia dialógica do teatro naturalista, mas que mergulha na subjetividade e fragmentação do Eu. Através da proposta da prisão, de narrar um pianista enclausurado, Cárcere expande suas metáforas para a própria situação do sujeito contemporâneo, que, independente do ambiente que vive, está mergulhado num estado de sítio, de vigilância, de controle.
Para ficar em apenas um exemplo do texto, recorto aqui uma passagem bacana, em que o pianista troca algumas palavras com o carcereiro:
Viro para um carcereiro e peço sua ajuda, pergunto “o que é liberdade pra você?”. Ele, dando as costas, responde “liberdade pra mim é fazer o que vou fazer agora: vou pra casa!” Aí eu consigo dizer um “até amanhã” pra ele, que me olha feio, sabendo que vive os dias na cadeia e as noites em casa, num regime semiaberto ao inverso. Página em branco.
A situação do carcereiro, levada para o dia a dia, exemplifica muito do cotidiano do sujeito contemporâneo. Será que não vivemos numa prisão? Será que nós, efetivamente todos nós, não vivemos em regimes semiabertos? Ou talvez fechados? Ou talvez perpétuos?
Sabemos que o que move o mundo, segundo a máxima popular, não são as respostas, mas sim as perguntas. Portanto, o convite à questão está feito. Bora ao teatro, pois Cárcere estará no Teatro Carlos Gomes neste fim de semana: Sábado (11/06) às 20h, e no Domingo (12/06) às 19h.
Os ingressos podem ser adquiridos na cafeteria Kaffa (Rua da Lama), na bilheteria do teatro ou diretamente com a produção do espetáculo: (27) 8187-9272 – Ariny Bianchi. Valores: 30 reais (inteira) e 15 (meia).
Moisés Nascimento: graduado e Mestrando em Letras pela UFES. Compositor, músico e professor de literatura. Atualmente é colaborador do Portal Yah! através do blog www.portalyah.com/fragmentosnaribalta
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