segunda-feira, 6 de junho de 2011

5 minutos com Fernando Duarte - O encontro com o coloquialismo

Pegando carona na recente polêmica envolvendo o Ministério da Educação (MEC) e sua adoção do livro Por uma vida melhor, da coleção Viver e Aprender - que reconhece a fala coloquial como uma forma aceitável de expressão -, o nosso comentarista de música, Fernando Duarte, chama a atenção para o uso do coloquialismo na MPB. A exemplo, Fernando cita Noel Rosa (foto) como artista fundamental para o processo de inclusão das falas das ruas nas canções populares. Ouça:




Fernando Duarte escreve sobre o assunto:

A nossa música popular conquistou a liberdade de escapar de normas gramaticais e cantar com a língua falada e não com a escrita. Diferente dos gêneros praticados nos salões do Império e do início da República, a música desenvolvida pelo brasileiro dos centros urbanos no século XX trouxe o frescor do português falado pelos diversos grupos sociais.

O primeiro sopro de linguagem popular na canção urbana veio do sertão. No início do século, o maranhense Catulo da Paixão Cearense era conhecido como poeta, violonista e compositor de modinhas. Já estava radicado no Rio de Janeiro há décadas e foi a partir de seu encontro com o violonista João Pernambuco, que se interessaria pelo falar do sertanejo, colocando letra em músicas como Luar do Sertão e Cabocla de Caxangá.

Em 1922, muitos músicos nordestinos foram ao Rio de Janeiro participar das comemorações do centenário da Independência do Brasil, o que provocou um grande interesse na música da região e o aparecimento de grupos que imitavam os ritmos, vestimentas e expressões dos sertanejos nordestinos. No entanto, esse linguajar era mais usado como um recurso cômico, contrastando com as letras rebuscadas, pretendendo demonstrar cultura e erudição.

Enquanto a literatura passava pela revolução do Modernismo, a música popular ainda era um reflexo do Parnasianismo. Usualmente vindos de grupos sociais com menos acesso à cultura letrada, os compositores populares tinham pouco (ou nenhum) contato com a arte de vanguarda e se prendiam a um estilo de poesia presente nos livros escolares dos níveis básicos.

Noel Rosa, filho de classe média, que chegou a ser estudante de Medicina, foi figura fundamental do processo de incorporação da fala das ruas. Além de ter intimidade com poesia e a cultura erudita, transitava livremente pelos morros e botequins e participou do Bando de Tangarás, cantando emboladas e outros ritmos nordestinos. Sua obra deu a tônica das letras de samba nas décadas seguintes, com um estilo leve e irônico.

Duas décadas depois da morte de Noel, coube aos jovens compositores da Bossa Nova (auxiliados pelo experiente poeta Vinicius de Moraes) a continuidade do processo, trazendo para as letras das canções não só o falar da juventude, mas também um mundo de temas e sentimentos próprios. Ao superar as letras de fossa, traição e tristeza do samba-canção, a Bossa Nova abriu a música para um mundo ensolarado e de novos valores sintetizados no grito de "Chega de saudade”, uma ode aos “abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim”.


Veja o vídeo citado no comentário, onde Noel Rosa (em pé tocando violão) e o Bando de Tangarás apresentam a canção "Vamos Falar do Norte" (1929):





Fernando Duarte é musicólogo pesquisador, instrumentista, compositor e arranjador com passagem por vários grupos de choro, mpb, rock, jazz e pop.

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fernandond@gmail.com

my space: www.myspace.com/fernandonduarte

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