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Há 55 anos, em São Paulo, na Exposição Nacional de Arte Concreta realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, os poetas Haroldo de Campo, Décio Pignatari e Augusto de Campos encabeçavam talvez a última grande vanguarda literária do país.
Pela primeira vez no Brasil, ao lado de artistas plásticos e escultores, a poesia foi exposta em cartazes que chamavam a atenção para o modo como as palavras se organizavam no espaço do papel.
Os concretos identificavam como precursores desse movimento o Mallarmé de “Lance de Dados”, o futurismo, a poesia de Ezra Pound, a prosa de Joyce (Ulisses e Finnegans Wake); no Brasil, a arquitetura supostamente racional do verso de João Cabral de Melo Neto e a poesia sintética de Oswald de Andrade. Oswald que segundo conta Décio Pignatari estava esquecido no meio literário – e foram eles, os concretistas, que o reavivaram.
Com determinações poéticas e teóricas, ou seja, como um projeto, a poesia concreta foi a tentativa de explorar outras possibilidades. Possibilidades ligadas, sobretudo, ao mundo do design gráfico e das artes plásticas. Os três poetas, mais tarde foram acompanhados por outros como Wlademir Dias-Pino, Ferreira Gullar e Ronaldo Azeredo. E mais do que cultivar o pretensioso desejo de acabar com o verso tradicional, os concretos já afirmavam seu sepultamento.
Todavia, mais adiante, o movimento teve pelo menos dois importantes dissidentes que elevaram ao máximo a experiência da espacialidade: Wlademir Dias-Pino cada vez mais focado nos estudos de design, espacialidades e fisicalidade do poema e o poema não-verbal; Dias-Pino se encaminhou para aquilo que iria se chamar poema-processo. Há, inclusive, um livro, no prelo, cuja apresentação escrevi, organizado pela pesquisadora Priscilla Martins com textos e entrevistas de Wlademir Dias-Pino – creio que será lançado em breve.
O outro poeta dissidente foi Ferreira Gullar.
Entre todos os poetas brasileiros que comungaram do projeto concretista, presto especial atenção na poesia do Gullar. A obra do Ferreira Gullar, sem dúvida, entre todos esses, é a que merece destaque porque alcançou níveis de sofisticação por nenhum desses experimentados – sobretudo porque sem demora abandonou o concretismo. Além disso, focar na trajetória de um poeta é uma forma mais pertinente de perceber como certas tendências surgem de um esgotamento subjetivo da escrita.
O início da obra de Gullar é marcado fortemente pela escrita clássica. O domínio da métrica e da rima fundado em suas leituras dos parnasianos, sobretudo. Segundo o próprio poeta, durante algum tempo, de tão mergulhado nessa escrita, sua fala era também em decassílabos. Ferreira Gullar conheceu a poesia moderna quando os suplementos literários de São Luis começaram a publicar essa poesia. Apesar de já ter publicado em seu primeiro livro alguma coisa de livre, foi só a partir do conhecimento dessa poesia que Gullar se interessou pelo verso livre de fato. “O empalhador de passarinhos”, do Mário de Andrade, “Cinzas do Purgatório”, do Otto Maria Carpeaux; entre outros, foram leituras obrigatórias que introduziram Gullar na procura por outra poesia.
Há uma frase muito citada por Gullar que resume bem uma procura que se deu a partir de então na sua obra. Diz o Gullar: “quando eu aprender a pintar com a mão direita, pintarei com a esquerda, quando aprender a pintar com a esquerda, usarei os pés...”. A idéia é essa. O segundo livro, “A luta corporal” tem essencialmente esse fundamento: a procura por uma poesia outra já que de certa forma havia alguma coisa clássica já apreendida.
Não vou me estender muito, mas essa experiência de Gullar passa pelo representativo poema “Roçzeiral” até chegar a experiência da poesia concreta e mais adiante o neo-concretismo.
Nesse momento, Ferreira Gullar cria o famoso “poema enterrado” – que era um poema completamente espacial, um cubo localizado no sótão da casa do pai do Hélio Oiticica, se não me engano; cria também o livro-poema.
Nesse, a relação entre o poema e as páginas do livro é tal que o livro tem o número de páginas determinado pelo poema, a posição das palavras está determinada pelo que no poema está dito, e até a forma das páginas. Logo, ele é um livro estruturalmente integrado página e palavra, silêncio e voz. Essa experiência deu origem aos poemas espaciais: uma série de poemas que eram corpos tridimensionais, quase esculturas com palavras (cubos com palavras dentro, etc).
Por fim, sem delongas, Gullar abandonou tudo isso e alcançou momentos muito mais profícuos de poesia. Mas houve (e há) ainda diversas manifestações de influências do concretismo e do neoconcretismo: algumas músicas de Caetano e Gil, por exemplo; a poesia de Paulo Leminski, em muitos momentos, mais recentemente a poesia de Arnaldo Antunes e de diversos outros que misturam, como nos poema de Márcio-André, ou nos poemas gravados por Cid Campos, música e poesia num remake concretista hitech. Sugiro ainda, aos interessados, que visitem a Revista Eletrônica Zunái (clique aqui), pois há na revista uma coletânia de poetas visuais contemporâneos organizados pelo poeta Cláudio Daniel, um entusiasta dos irmãos Campos.
Marcos Ramos é editor da Água da Palavra – Revista de Literatura e Teorias, poeta e pesquisador.
Fale com ele:
e-mail: marcos@marcosramos.com.br
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