sábado, 28 de maio de 2011

5 minutos com Moisés Nascimento - Cenografia e Cenário no Teatro

O Teatro procura convidar a nossa imaginação para mundos onde a criatividade é a ferramenta de expressão mais preciosa. Texto, atores e público. Uma tríade que se fortalece também com o cenário composto no palco. Do mais minimalista ao mais complexo, a cenografia no Teatro pode ser tudo ou nada. Moisés Nascimento, no comentário da semana, abre os olhos dos nossos ouvintes e internautas para pensar o cenário e a cenografia como elementos provocadores, como na peça John & Joe, do grupo Trama (foto).




Leia o comentário de Moisés ao pé da letra:

Meu comentário desta semana é sobre cenografia e cenário. Para que a conversa se encaminhe de forma prazerosa e até mesmo didática, usarei como exemplo as últimas peças encenadas em nossa cidade pelos grupos Trama – BH (com a peça John & Joe), Ponto de Partida – Barbacena (com as peças Ciganos e Os Gnomos contam a história do Gato Malhado e a Andorinha Sinhá), Grupo Z de teatro (com a peça Dom Casmurro) e Repertório (com a peça Bernarda por detrás das paredes) – ambos daqui do Estado.

É interessante olhar para esses exemplos, pois através deles – montagens contemporâneas, do século XXI inclusive – vamos passear pela cenografia ao longo da tradição teatral, mais especificamente, século XIX e XX.

Para início de conversa, é preciso separar cenário e cenografia. De todos os exemplos acima, o único que possui um cenário fixo e demarcado (e até bastante naturalista) é a peça John & Joe, do grupo Trama. Nela, o bar (ambiente onde a trama se desenvolve) está muito bem representado para o espectador: um balcão com garrafas, copos e um garçom marcam o centro e o fundo do palco; duas mesas, cada uma com duas cadeiras, marcam a frente; o banheiro a esquerda do palco, três degraus com um quadro para os “risquinhos” ao lado do balcão e um jukebox antigo que toca um jazz delicioso – aliado ao cheiro forte de vinho derramado que espraia por todo o espaço – simulam a ambiência botequim.

Peça John & Joe, do grupo Trama.

O cenário em si, portanto, é aquilo que no palco figura a moldura da ação através de elementos pictóricos, plásticos e arquitetônicos. Tudo aquilo que integra a concepção, a decoração e ornamentação do espetáculo no palco se enquadram nessa palavra, e apenas o grupo Trama, a meu ver, tem uma ambientação naturalista, arquitetada sob a ótica teatral no palco, que se encaixa nisso que denominamos cenário. Contudo, em todos eles, a cenografia se faz presente.

(poder-se-ia dizer que Dom Casmurro, do grupo Z, trabalha com cenário fixo; no entanto, parece-me que ali há apenas objetos, sobretudo móveis, fixados no palco que não necessariamente soam naturalistas; não remetem à arquitetura da casa de Bentinho na Rua dos Matacavalos, por exemplo)

Peça Dom Casmurro, do grupo Z.

A cenografia é a arte de organizar o espaço teatral, seja ele um palco ou não. Ela é, “metonimicamente”, conforme as palavras de Patrice Pavis, o próprio desejo, o resultado do pensamento do cenógrafo. Ela é parte do espetáculo tanto quanto a direção, a encenação e a escrita.

Até quase o final do Século XIX, reinou na dramaturgia o pensamento de que o cenário precisava materializar e ilustrar as coordenadas espaciais da forma mais fidedigna ao texto: era necessário que o cenógrafo fornecesse todos os meios para que o espectador visualizasse tudo no palco da forma mais natural, neutra e universal possível. Só para citar um pequeno exemplo, Martins Pena, teatrólogo e crítico teatral, em suas críticas nos Folhetins, chama a atenção de um ator porque este cumprimenta o público entre um aplauso e outro, afirmando que isso tira a naturalidade que o teatro precisa passar para o espectador. [não custa lembrar que naquele século a ideia da “quarta parede” – espécie de barreira imaginária entre ator e espectadores, que permitia aqueles encenarem sem sequer notar quem estava na plateia – vigorava com muita força e era constantemente exigida dos diretores e atores]

No século XX, todavia, esse pensamento foi modificado através da busca de uma cenografia que não mais funcionasse como uma ilustração ideal, sinônima do texto teatral, mas como “dispositivo próprio para esclarecer o texto e a ação humana, para figurar uma situação de enunciação”, colocando-se entre o palco e a escrita, entre o espaço e o texto. Aqui, as coisas não mais são pensadas em duas dimensões, mas em três, uma relação tridimensional, de interdependência dos diferentes materiais cênicos, em que a cenografia atuaria exatamente no meio, como intercâmbio entre a encenação e o texto dramático.

Os espetáculos dos grupos Ponto de Partida e Repertório não possuem um cenário fixo, por exemplo. Quem conferiu a passagem do grupo de Barbacena no Teatro Carlos Gomes no início do mês, e quem já assistiu Bernarda por detrás das paredes lá no Espaço Coletivo pode notar isso.

No caso do Ponto, a não utilização é um projeto estético. Regina Bertola, diretora do grupo, afirma que o naturalismo é algo para o cinema e a televisão, que de fato necessitam que as coisas e objetos tenham lugares e posições precisamente delineados no espaço. Já o teatro precisa evocar, sugerir, fazer com que o espectador visualize esses espaços e objetos sem necessariamente ter um exemplo empírico no palco. E isso pode ser visto nos espetáculos Ciganos e Os Gnomos contam a história do Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, onde se percebe que a não utilização de cenário fixo permite não só a mobilidade cenográfica, com os cenários (visíveis ou não) entrando e saindo do palco, mas também uma concentração maior no ator. É dele que o cenário brota, e não o contrário. E há sempre um fio que costura todo o espetáculo, dando liga à história: no caso do primeiro, as sombrinhas; na peça infantil, os coqueiros que entram e saem de cena pelas mãos dos atores.

Espetáculo Ciganos e Os Gnomos contam a história do Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, do grupo Ponto de Partida.

Não sei se no grupo Repertório há um projeto estético semelhante ao do grupo de Barbacena. Mas, ao menos em Bernarda, parece-me que as estéticas se aproximam; e a cenografia ali desenvolvida é excelente. Com poucos elementos, uma cadeira e uma espécie de toalha de mesa, e um tablado limpo que quase se aproxima do teatro pobre, a atuação cenográfica está mais atrelada à iluminação: ela é o fio condutor desta peça. O excelente trabalho de luz ali feito encena e dá vida ao espetáculo tanto quanto Nieve, Nicolas e Roberta.

O que importa de tudo isso aqui escrito? Independentemente de o cenário ser naturalista ou não, há a necessidade de pensar a cenografia como atuante no espetáculo. De todos os grupos citados acima, o que foi frágil neste aspecto foi o grupo Z de Teatro, com a peça Dom Casmurro. Um espetáculo excelente, que se destaca no texto – na fragmentação das personagens Bentinho e Capitu (genial a cena que todas as atrizes eram Capitu no mesmo instante, uma perfeita forma de representar a ficcionalidade do Eu) – e no trabalho de alguns atores; todavia, no quesito cenografia/cenário, se perde por utilizar um cenário que é pouco explorado pelos atores ou, o que tendo a acreditar, que nada parece dizer ao espectador.

O trabalho do cenógrafo, portanto, é o de quebrar as barreiras do naturalismo, da mera ornamentação, e construir uma linguagem que encaminhe o espectador à narrativa que no palco se desenvolve, independentemente de se ter no espaço o cenário visível ou não. “John & Joe”, por exemplo, é uma montagem que se vale do naturalismo, que apresenta um cenário semelhante ao que se fazia no século XIX; contudo, a cenografia ali desenvolvida é contemporânea, atuante e envolvente, e dá ao espectador todos os meios e formas de leitura do espetáculo. É disso que se trata.


Moisés Nascimento é graduado e Mestrando em Letras pela UFES. Compositor, músico e professor de literatura. Atualmente é colaborador do Portal Yah! através do blog www.portalyah.com/fragmentosnaribalta

fale com ele: moyseshoots@gmail.com


domingo, 22 de maio de 2011

5 minutos com Marcos Ramos - Poesia Concreta

Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos, Oswald de Andrade e Ferreira Gullar (foto). Foi esse o timaço de poetas concretistas que o nosso comentarista de Literatura, Marcos Ramos, trouxe para o 5 minutos da última semana. Quer saber o que ele falou sobre eles? É só dar o play abaixo e ouvir.




Quer o comentário ao pé da letra? Fique à vontade, pode ler:

Há 55 anos, em São Paulo, na Exposição Nacional de Arte Concreta realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, os poetas Haroldo de Campo, Décio Pignatari e Augusto de Campos encabeçavam talvez a última grande vanguarda literária do país.

Pela primeira vez no Brasil, ao lado de artistas plásticos e escultores, a poesia foi exposta em cartazes que chamavam a atenção para o modo como as palavras se organizavam no espaço do papel.

Os concretos identificavam como precursores desse movimento o Mallarmé de “Lance de Dados”, o futurismo, a poesia de Ezra Pound, a prosa de Joyce (Ulisses e Finnegans Wake); no Brasil, a arquitetura supostamente racional do verso de João Cabral de Melo Neto e a poesia sintética de Oswald de Andrade. Oswald que segundo conta Décio Pignatari estava esquecido no meio literário – e foram eles, os concretistas, que o reavivaram.

Com determinações poéticas e teóricas, ou seja, como um projeto, a poesia concreta foi a tentativa de explorar outras possibilidades. Possibilidades ligadas, sobretudo, ao mundo do design gráfico e das artes plásticas. Os três poetas, mais tarde foram acompanhados por outros como Wlademir Dias-Pino, Ferreira Gullar e Ronaldo Azeredo. E mais do que cultivar o pretensioso desejo de acabar com o verso tradicional, os concretos já afirmavam seu sepultamento.

Todavia, mais adiante, o movimento teve pelo menos dois importantes dissidentes que elevaram ao máximo a experiência da espacialidade: Wlademir Dias-Pino cada vez mais focado nos estudos de design, espacialidades e fisicalidade do poema e o poema não-verbal; Dias-Pino se encaminhou para aquilo que iria se chamar poema-processo. Há, inclusive, um livro, no prelo, cuja apresentação escrevi, organizado pela pesquisadora Priscilla Martins com textos e entrevistas de Wlademir Dias-Pino – creio que será lançado em breve.

O outro poeta dissidente foi Ferreira Gullar.

Entre todos os poetas brasileiros que comungaram do projeto concretista, presto especial atenção na poesia do Gullar. A obra do Ferreira Gullar, sem dúvida, entre todos esses, é a que merece destaque porque alcançou níveis de sofisticação por nenhum desses experimentados – sobretudo porque sem demora abandonou o concretismo. Além disso, focar na trajetória de um poeta é uma forma mais pertinente de perceber como certas tendências surgem de um esgotamento subjetivo da escrita.

O início da obra de Gullar é marcado fortemente pela escrita clássica. O domínio da métrica e da rima fundado em suas leituras dos parnasianos, sobretudo. Segundo o próprio poeta, durante algum tempo, de tão mergulhado nessa escrita, sua fala era também em decassílabos. Ferreira Gullar conheceu a poesia moderna quando os suplementos literários de São Luis começaram a publicar essa poesia. Apesar de já ter publicado em seu primeiro livro alguma coisa de livre, foi só a partir do conhecimento dessa poesia que Gullar se interessou pelo verso livre de fato. “O empalhador de passarinhos”, do Mário de Andrade, “Cinzas do Purgatório”, do Otto Maria Carpeaux; entre outros, foram leituras obrigatórias que introduziram Gullar na procura por outra poesia.

Há uma frase muito citada por Gullar que resume bem uma procura que se deu a partir de então na sua obra. Diz o Gullar: “quando eu aprender a pintar com a mão direita, pintarei com a esquerda, quando aprender a pintar com a esquerda, usarei os pés...”. A idéia é essa. O segundo livro, “A luta corporal” tem essencialmente esse fundamento: a procura por uma poesia outra já que de certa forma havia alguma coisa clássica já apreendida.

Não vou me estender muito, mas essa experiência de Gullar passa pelo representativo poema “Roçzeiral” até chegar a experiência da poesia concreta e mais adiante o neo-concretismo.

Nesse momento, Ferreira Gullar cria o famoso “poema enterrado” – que era um poema completamente espacial, um cubo localizado no sótão da casa do pai do Hélio Oiticica, se não me engano; cria também o livro-poema.

Nesse, a relação entre o poema e as páginas do livro é tal que o livro tem o número de páginas determinado pelo poema, a posição das palavras está determinada pelo que no poema está dito, e até a forma das páginas. Logo, ele é um livro estruturalmente integrado página e palavra, silêncio e voz. Essa experiência deu origem aos poemas espaciais: uma série de poemas que eram corpos tridimensionais, quase esculturas com palavras (cubos com palavras dentro, etc).

Por fim, sem delongas, Gullar abandonou tudo isso e alcançou momentos muito mais profícuos de poesia. Mas houve (e há) ainda diversas manifestações de influências do concretismo e do neoconcretismo: algumas músicas de Caetano e Gil, por exemplo; a poesia de Paulo Leminski, em muitos momentos, mais recentemente a poesia de Arnaldo Antunes e de diversos outros que misturam, como nos poema de Márcio-André, ou nos poemas gravados por Cid Campos, música e poesia num remake concretista hitech. Sugiro ainda, aos interessados, que visitem a Revista Eletrônica Zunái (clique aqui), pois há na revista uma coletânia de poetas visuais contemporâneos organizados pelo poeta Cláudio Daniel, um entusiasta dos irmãos Campos.


Marcos Ramos é editor da Água da Palavra – Revista de Literatura e Teorias, poeta e pesquisador.

Fale com ele:
e-mail:
marcos@marcosramos.com.br


terça-feira, 17 de maio de 2011

5 minutos com Carol Ruas - Festival de Cannes 2011

Chega o mês de maio e os cinéfilos de plantão voltam os seus olhos para a Europa. Desde quarta-feira passada (11/04), quem gosta de acompanhar as novidades do cinema sabe que a 64ª edição do Festival de Cannes começou e reúne películas que vão do cult ao cinemão hollywoodiano. E a nossa comentarista de cinema, Carol Ruas, fala porque o festival internacional francês é tão respeitado e serve de vitrine para sabermos quais filmes serão os mais requisitados durante todo o ano. Prepare a listinha de "filmes que quero assistir" e boa sessão.





Cannes é cool


O 5 minutos dessa semana é sobre o Festival de Cannes, que acontece de 11 a 22 de maio com uma programação bastante variada que rendem desde notas nas colunas sociais sobre as celebridades até a crítica mais especializada. Mais do que qualquer movimentação que o festival cause na imprensa, pra quem gosta de cinema acompanhar o Festival de Cannes significa estar por dentro da vanguarda cinematográfica.

Isso porque Cannes prioriza o Cinema de autor, o cinema de arte que leva a linguagem até os seus limites. Além disso, é o festival francês que costuma abrir o calendário de lançamentos de filmes que vão circular pelos cinemas e festivais o resto do ano. Nesse sentido, Cannes é muito mais cool que o Oscar, por exemplo, que é mais conhecido pelo cinema comercial de Hollywood.

Apesar dessa dicotomia, a 64ª edição do festival francês apresenta uma programação bastante diversa, que traz tanto filmes intimistas e cinema de autor (que é mais previsível para o festival) quanto filmes mais comerciais de Hollywood.

Passam por Cannes este ano tanto o novo do dinamarquês Lars Von Trier - "Melancholia" - quanto as sequência "Kung fu Panda 2" e "Piratas do Caribe 4".

Brasileiros

Para nós brasileiros, o Festival de Cannes tem uma importância a mais, uma vez que os filmes brasileiros costumam ser bem-quistos por lá e muitos de nossos diretores são revelados para o mundo depois de passarem pelo festival.

Mas ao longo da história de 64 anos de Cannes, apenas uma vez o Brasil ganhou o grande prêmio, a Palma de Ouro de Melhor Filme. Foi em 1962, que o lendário "O pagador de promessas" de Anselmo Duarte recebeu o prêmio que foi definitivo para o filme se tornar um clássico. Vale destacar também o ano de 1969 - o que mais teve longas brasileiros em Cannes: foram 11 (entre eles dois de Glauber Rocha, que foi eleito Melhor Diretor pelo mítico "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro").

2011

Este ano o Festival de Cannes tem a presença de quatro filmes brasileiros da nova geração. O longa-metragem “Trabalhar Cansa” de Marco Dutra e Juliana Rojas passam na mostra Um certain regard (Um certo olhar) - uma seleção de filmes com uma estética incomum, geralmente filmes mais experimentais. Esse é o primeiro longa-metragem da dupla, que já esteve em Cannes com os curtas-metragens "Um lençol branco" e "Um ramo" (este último ganhou o premio na sessão de filmes universitários de Cannes).

Na sessão da Semana da Crítica, Ricardo Alves Júnior apresenta seu curta-metragem “Permanências”. Alice Furtado exibe o curta “Duelo Antes da Noite” dentro da seleção oficial, na mostra Cinéfondation (uma sessão dedicada a produções universitárias – ela é da Universidade Federal Fluminense).

Na sessão paralela, chamada de Quinzena dos Realizadores será exibido o longa “O Abismo Prateado”, de Karim Aïnouz (mesmo realizador consagrado por "Madame Satã" e "O Céu de Suely").

Por essas e por outras é que o Festival de Cannes se tornou o mais importante para quem gosta de cinema. Na vanguarda da linguagem audiovisual.


Pra quem quer acompanhar o Festival de Cannes 2011, aí vai umas dicas de links de coberturas e críticas das exibições que dá pra acessar pela Internet!

Revista Cinética (crítica):

http://www.revistacinetica.com.br/cannes10menu.htm

Site Oficial do Festival de Cannes:

http://www.festival-cannes.com/en/homepage.html

Cobertura UOL Cinema (notícias):

http://cinema.uol.com.br/especiais/festival-de-cannes-2011.jhtm



Carolina Ruas é jornalista, coordenadora de Comunicação do Fora do Eixo -ES e participante do Grav (Grupo de Estudos Audiovisuais - Ufes)

Fale com ela:

email: carolina.ruasp@gmail.com

twitter: @carolruas