terça-feira, 22 de novembro de 2011

5 minutos com Moisés Nascimento - Sobre o Teatro do Oprimido

O Teatro do Oprimido, criado pelo diretor, dramaturgo e ensaísta brasileiro Augusto Boal (foto), foi o tema do 5 minutos da última semana. O comentarista Moisés Nascimento fala sobre a proposta teórica dessa linguagem cênica, bem como seus pressupostos políticos e estéticos. 

Ouça:




O quadro 5 minutos é exibido toda quarta-feira, ao vivo, dentro do Programa Vice Verso, de 20 as 21h, na rádio Universitária FM 104.7. Ouça pelo site.


Moisés Nascimento faz seu comentário ao pé da letra:

Fundado pelo diretor, dramaturgo, ensaísta e teatrólogo Augusto Boal, nos anos 1970, o Teatro do Oprimido (TO) é fruto das experiências de vida (e opressão) que o seu fundador vivenciou durante o seu tempo de exílio – de 1971 a 1986, ano em que volta para o Rio de Janeiro e cria o Centro de Teatro do Oprimido, que já possui 25 anos de militância cênica – e foi escrito a partir de experimentações reais nos países por onde passou: Argentina (percorrendo vários países da América Latina), Portugal e Paris.

Já bastante evidente no nome, o Teatro do Oprimido busca pensar o teatro dentro do âmbito político. Para Boal, “todo teatro é necessariamente político”, e os que pretendem separá-lo da política, assim faz a partir de uma atitude de despolitização – e, portanto, atitude política – a serviço dos interesses dominantes. Colocando-se historicamente como pós-Brecht, o Teatro do Oprimido busca destruir “todas as barreiras” cênicas criadas pelas classes dominantes, construindo uma estética teatral cujo compromisso principal é o “apoio do teatro à luta dos oprimidos”.

Como isso se dá? Primeiramente, é quebrada a barreira que separa atores e espectadores. Todos devem representar, todos devem encenar – este é o lema do Teatro do Oprimido. Se o teatro contemporâneo, de certa forma, busca extinguir a ideia da “Quarta Parede” – parede invisível, que separa o palco da plateia – na estética do Oprimido, o público é convidado a intervir na cena, a ser parte do espetáculo, a transformar a realidade. Outra barreira demolida pela TO é o total rompimento com as hierarquias dramáticas que pensam o teatro dividido em protagonista, antagonista, figurantes, personagem secundário, etc. No TO, todos devem ser, ao mesmo tempo, protagonistas, figurantes; ou seja, uma total quebra dos pressupostos cênicos em evidência desde as definições aristotélicas. 

Atualmente, busca-se pensar uma Estética do Oprimido, não mais limitada ao teatro, mas também militando em outras vertentes estéticas, tais como a música, a poesia, a dança, a literatura... Mas, tradicionalmente, o Teatro do Oprimido ficou conhecido a partir de seis linguagens dramáticas (e políticas): o Teatro-Imagem, o Teatro-Jornal, o Arco-Íris do Desejo, o Teatro Fórum, o Teatro Invisível e o Teatro Legislativo.

O Teatro-Imagem parte de uma definição da arte como “busca de verdades através dos nossos aparelhos sensoriais”. O corpo, as fisionomias, objetos, distâncias e cores são usados com o objetivo de romper ao máximo o simbolismo que envolve o signo linguístico. A “palavra” não é utilizada - não porque a neguem (pelo contrário, a reverenciam!), mas porque ela “traz consigo a obliteração dos sentidos, a atrofia de outras percepções”. O uso do corpo tem o intuito de ampliar a visão sinalética do espectador, fazendo com que, por exemplo, a visão de um sorriso no rosto fale mais do que a escrita, a palavra “sorriso”. 

Já o Teatro-Jornal, criado no início dos anos 1970, no Teatro Arena, consiste em “doze técnicas de transformação de textos jornalísticos em cenas teatrais”. A partir da combinação de Imagens e Palavras dos textos de jornais, a encenação visa revelar como os periódicos se utilizam das técnicas de ficção para ocultar, revelar e manipular a informação. O intuito é desmistificar “a pretensa imparcialidade dos meios de comunicação”. 

O Arco-Íris do Desejo é conhecido como “Método Boal de Teatro e Terapia”, consiste num conjunto de técnicas terapêuticas, segundo Boal “técnicas introspectivas” que, “usando Palavras e, sobretudo, Imagens, permite a teatralização de opressões introjetadas”. O objetivo é se valer do teatro em estudos de casos onde os opressores foram internalizados, habitando a cabeça do oprimido. Uma das técnicas principais, O Policial na Cabeça, “mostra que, se ele existe, de algum quartel veio”. Ou seja, o problema, por mais interno que esteja, possui sempre uma raiz na vida social que precisa ser diagnosticada e tratada. 

O Teatro Fórum é a mais popular das técnicas do TO. Conhecida pelo seu caráter democrático, a técnica Fórum tem uma peculiaridade: os espectadores, chamados de Spect-atores, “são convidados a entrar em cena, e, ao atuando teatralmente e não apenas usando a palavra, revelar seus pensamentos, desejos e estratégias que podem sugerir, ao grupo ao qual pertencem, um leque de alternativas possíveis por eles próprios inventadas”. É nessa ambiência que Boal teoriza um dos lemas mais fortes do TO: “o teatro deve ser um ensaio para a ação na vida real, e não um fim em si mesmo”. 

O Teatro Invísivel consiste em ações realizadas teatralmente, mas que não são reveladas ao público, que, obviamente, não está ciente da sua condição de espectador. O intuito é provocar a “interpenetração da ficção na realidade e da realidade na ficção”. Como no Teatro Fórum, todos os que participam da cena podem intervir e propor soluções. A diferença é o não anúncio do espetáculo, a não ciência da população. E também não há um objetivo final linear esperado: os resultados da invisibilidade falarão por si. 

Por último, e visivelmente permeado pelo cunho político-progressivo, o Teatro Legislativo é um conjunto de ações que misturam as técnicas do Teatro Fórum e os rituais convencionais de uma Câmara ou Assembleia, “com o objetivo de se chegar à formulação de Projetos de Lei coerentes e viáveis”. E o caminho final da encenação é este mesmo: levar as demandas retiradas para as Casas de Leis e exigir que os políticos de verdade acatem os pedidos da população. 

Como se vê, Augusto Boal abomina a arte como algo meramente substancial, deleite e fruição estética. A arte só tem importância no Teatro do Oprimido quando assume o papel de agente de transformação social. Boal afirma: “Tenho sincero respeito por aqueles artistas que dedicam suas vidas exclusivamente à sua arte – é seu direito ou condição! – mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida”. 

Ou seja, o teatro aqui, à semelhança do quadro soviético posterior aos primeiros anos da revolução, é o de total engajamento. Assim falou Lênin a respeito da obra de Tolstoi, e que, a meu ver, parece ser um lema de Augusto Boal: “se estamos diante de um artista verdadeiramente grande, ele deve refletir, em suas obras, ao menos alguns aspectos essenciais da revolução”. 

E Boal não nega isso. Dois meses antes do seu falecimento, na ocasião em que foi condecorado Embaixador Mundial do Teatro pela UNESCO, Boal afirmou na sua mensagem:  

“Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele que vive em sociedade: é aquele que a transforma!”

É isso.

Pra saber mais sobre o Teatro do Oprimido, clique aqui.



Moisés Nascimento é graduado e Mestrando em Letras pela UFES. Compositor, músico e professor de literatura. Atualmente é colaborador do Portal Yah! com do blog Fragmentos na Ribalta.

fale com ele: moyseshoots@gmail.com



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