O Teatro do Oprimido, criado pelo diretor, dramaturgo e ensaísta brasileiro Augusto Boal (foto), foi o tema do 5 minutos da última semana. O comentarista Moisés Nascimento fala sobre a proposta teórica dessa linguagem cênica, bem como seus pressupostos políticos e
estéticos.
O quadro 5 minutos é exibido toda quarta-feira, ao vivo,
dentro do Programa Vice Verso, de 20 as 21h, na rádio Universitária FM 104.7.
Ouça pelo site.
Moisés Nascimento faz seu comentário ao pé da letra:
Fundado pelo
diretor, dramaturgo, ensaísta e teatrólogo Augusto Boal, nos anos 1970, o Teatro
do Oprimido (TO) é fruto das experiências de vida (e opressão) que o seu fundador
vivenciou durante o seu tempo de exílio – de 1971 a 1986, ano em que volta para
o Rio de Janeiro e cria o Centro de Teatro do Oprimido, que já possui 25 anos de
militância cênica – e foi escrito a partir de experimentações reais nos países
por onde passou: Argentina (percorrendo vários países da América Latina),
Portugal e Paris.
Já bastante
evidente no nome, o Teatro do Oprimido busca pensar o teatro dentro do âmbito
político. Para Boal, “todo teatro é necessariamente político”, e os que
pretendem separá-lo da política, assim faz a partir de uma atitude de
despolitização – e, portanto, atitude política – a serviço dos interesses
dominantes. Colocando-se historicamente como pós-Brecht, o Teatro do Oprimido
busca destruir “todas as barreiras” cênicas criadas pelas classes dominantes,
construindo uma estética teatral cujo compromisso principal é o “apoio do
teatro à luta dos oprimidos”.
Como isso se dá?
Primeiramente, é quebrada a barreira que separa atores e espectadores. Todos
devem representar, todos devem encenar – este é o lema do Teatro do Oprimido.
Se o teatro contemporâneo, de certa forma, busca extinguir a ideia da “Quarta
Parede” – parede invisível, que separa o palco da plateia – na estética do
Oprimido, o público é convidado a intervir na cena, a ser parte do espetáculo,
a transformar a realidade. Outra barreira demolida pela TO é o total rompimento
com as hierarquias dramáticas que pensam o teatro dividido em protagonista,
antagonista, figurantes, personagem secundário, etc. No TO, todos devem ser, ao
mesmo tempo, protagonistas, figurantes; ou seja, uma total quebra dos
pressupostos cênicos em evidência desde as definições aristotélicas.
Atualmente, busca-se
pensar uma Estética do Oprimido, não mais limitada ao teatro, mas também
militando em outras vertentes estéticas, tais como a música, a poesia, a dança,
a literatura... Mas, tradicionalmente, o Teatro do Oprimido ficou conhecido a
partir de seis linguagens dramáticas (e políticas): o Teatro-Imagem, o
Teatro-Jornal, o Arco-Íris do Desejo,
o Teatro Fórum, o Teatro Invisível e o Teatro
Legislativo.
O Teatro-Imagem parte de uma definição da
arte como “busca de verdades através dos nossos aparelhos sensoriais”. O corpo,
as fisionomias, objetos, distâncias e cores são usados com o objetivo de romper
ao máximo o simbolismo que envolve o signo linguístico. A “palavra” não é
utilizada - não porque a neguem (pelo contrário, a reverenciam!), mas porque
ela “traz consigo a obliteração dos sentidos, a atrofia de outras percepções”.
O uso do corpo tem o intuito de ampliar a visão sinalética do espectador,
fazendo com que, por exemplo, a visão de um sorriso no rosto fale mais do que a
escrita, a palavra “sorriso”.
Já o Teatro-Jornal, criado no início dos anos
1970, no Teatro Arena, consiste em “doze técnicas de transformação de textos
jornalísticos em cenas teatrais”. A partir da combinação de Imagens e Palavras
dos textos de jornais, a encenação visa revelar como os periódicos se utilizam
das técnicas de ficção para ocultar, revelar e manipular a informação. O
intuito é desmistificar “a pretensa imparcialidade dos meios de comunicação”.
O Arco-Íris do Desejo é conhecido como
“Método Boal de Teatro e Terapia”, consiste num conjunto de técnicas
terapêuticas, segundo Boal “técnicas introspectivas” que, “usando Palavras e,
sobretudo, Imagens, permite a teatralização de opressões introjetadas”. O
objetivo é se valer do teatro em estudos de casos onde os opressores foram
internalizados, habitando a cabeça do oprimido. Uma das técnicas principais, O
Policial na Cabeça, “mostra que, se ele existe, de algum quartel veio”. Ou
seja, o problema, por mais interno que esteja, possui sempre uma raiz na vida
social que precisa ser diagnosticada e tratada.
O Teatro Fórum é a mais popular das
técnicas do TO. Conhecida pelo seu caráter democrático, a técnica Fórum tem uma
peculiaridade: os espectadores, chamados de Spect-atores, “são convidados a
entrar em cena, e, ao atuando teatralmente e não apenas usando a palavra,
revelar seus pensamentos, desejos e estratégias que podem sugerir, ao grupo ao
qual pertencem, um leque de alternativas possíveis por eles próprios
inventadas”. É nessa ambiência que Boal teoriza um dos lemas mais fortes do TO:
“o teatro deve ser um ensaio para a ação na vida real, e não um fim em si
mesmo”.
O Teatro Invísivel consiste em ações realizadas
teatralmente, mas que não são reveladas ao público, que, obviamente, não está
ciente da sua condição de espectador. O intuito é provocar a “interpenetração
da ficção na realidade e da realidade na ficção”. Como no Teatro Fórum, todos os que participam da cena podem intervir e
propor soluções. A diferença é o não anúncio do espetáculo, a não ciência da
população. E também não há um objetivo final linear esperado: os resultados da
invisibilidade falarão por si.
Por último, e
visivelmente permeado pelo cunho político-progressivo, o Teatro Legislativo é um conjunto de ações que misturam as técnicas
do Teatro Fórum e os rituais convencionais de uma Câmara ou Assembleia, “com o
objetivo de se chegar à formulação de Projetos de Lei coerentes e viáveis”. E o
caminho final da encenação é este mesmo: levar as demandas retiradas para as
Casas de Leis e exigir que os políticos de verdade acatem os pedidos da
população.
Como se vê,
Augusto Boal abomina a arte como algo meramente substancial, deleite e fruição
estética. A arte só tem importância no Teatro do Oprimido quando assume o papel
de agente de transformação social. Boal afirma: “Tenho sincero respeito por
aqueles artistas que dedicam suas vidas exclusivamente à sua arte – é seu
direito ou condição! – mas prefiro aqueles que dedicam sua arte à vida”.
Ou seja, o
teatro aqui, à semelhança do quadro soviético posterior aos primeiros anos da
revolução, é o de total engajamento. Assim falou Lênin a respeito da obra de
Tolstoi, e que, a meu ver, parece ser um lema de Augusto Boal: “se estamos
diante de um artista verdadeiramente grande, ele deve refletir, em suas obras,
ao menos alguns aspectos essenciais da revolução”.
E Boal não nega
isso. Dois meses antes do seu falecimento, na ocasião em que foi condecorado
Embaixador Mundial do Teatro pela UNESCO, Boal afirmou na sua mensagem:
“Atores somos todos nós, e cidadão não é aquele
que vive em sociedade: é aquele que a transforma!”
É isso.
Pra saber mais
sobre o Teatro do Oprimido, clique aqui.
Moisés Nascimento é graduado e
Mestrando em Letras pela UFES. Compositor, músico e professor de literatura.
Atualmente é colaborador do Portal Yah! com do blog Fragmentos na Ribalta.
fale com ele: moyseshoots@gmail.com
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