Como presente de Dia das Mulheres o Seboro Oroboros oferece uma das obras mais admiradas & admiráveis de Clarice Lispector, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres. Para levar essa leitura pro resto da vida, escute o Programa Vice Verso, quarta-feira (07), a partir das 20h, na Universitária FM 104.7 . Ligue para 3335 7913 no horário do programa e participe dessa promoção!
Seguem abaixo trecho & trilha sonora eleitos por Don Nihil para melhor apreciação da obra.
“...sentou-se para descansar e em
breve fazia de conta que ela era uma
mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de conta que
fiava com fios de ouro as sensações, faz de conta que a infância era hoje e
prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia não se abria e faz de conta
que dela não estava em silêncio alvíssimo escorrendo sangue escarlate, e que
ela não estivesse pálida de morte mas isso fazia de conta que estava mesmo de
verdade, precisava no meio do faz de conta falar a verdade de pedra opaca para
que contrastasse com o faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e
era amada, faz de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava
deitada na palma transparente da mão de Deus, não Lóri mas o seu nome secreto
que ela por enquanto ainda não podia usufruir, faz de conta que vivia e não
estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais
da morte, faz de conta que ela não ficava de braços caídos de perplexidade
quando os fios de ouro que fiava embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino
fio frio, faz de conta que ela era sábia bastante para desfazer os nós de corda
de marinheiro que lhe atavam os pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas
só para olhar a cor da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os
olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos e úmidos de gratidão,
faz de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se
descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de
açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar,
faz de conta que ela não estava chorando por dentro - pois agora mansamente, embora de
olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da voracidade de viver.
Lembrou-se de escrever a Ulisses contando o que se passara, mas nada se passara dizível em
palavras escritas ou faladas, era bom aquele sistema que Ulisses inventara: o
que não soubesse ou não pudesse dizer, escreveria e lhe daria o papel mudamente, mas dessa vez não havia sequer o que contar.
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